Mudança de perfil demográfico é tendência mundial e setor imobiliário vai precisar se adaptar às demandas do ‘mercado grisalho’

Bianca Soares / Especial para o Estado
Em 2050, o número de idosos ultrapassará pela primeira vez o de adolescentes e jovens (10 a 24 anos), segundo a Organização das Nações Unidas (ONU). Mais acentuada em países desenvolvidos, a tendência de envelhecimento cria o chamado mercado grisalho, formado por pessoas acima dos 60 anos que devem continuar trabalhando, recebendo e consumindo.

O nicho já está no radar de investidores e operadores imobiliários de países desenvolvidos, mas desperta pouca atenção no Brasil, segundo especialistas. A constatação é problemática, porque até 2025 o País será o sexto mais envelhecido do mundo.

Para o presidente do Conselho Consultivo do Sindicato da Habitação (Secovi-SP), Cláudio Bernardes, a próxima década trará uma demanda significativa o suficiente para despertar o interesse das incorporadoras. “Há pouco tempo éramos uma nação jovem. Então, esse é um conjunto que tem potencial enorme de crescimento, mas não forma, hoje, escala suficiente de clientes.”

Bernardes afirma que o público é formado por dois grupos. Os “novos idosos”, que acabaram de chegar aos 60 e ainda são independentes, e aqueles que já passaram dos 75, mais propensos a cuidados especiais. “Futuro é termos empreendimentos que se antecipem ao que ainda virá a ser indispensável para o grupo um.”

E quais seriam essas necessidades? Elas passam tanto pelo projeto das casas quanto pela decoração. Robson Gonzales, arquiteto e diretor da Arpa, empresa especialista em acessibilidade, lista pontos básicos: portas e corredores largos, que permitam o giro de uma cadeira de rodas, banheiros maiores e com barras de apoio, rampas no lugar de degraus, pisos antiderrapantes, entre outras coisas.

A mobília deve ser pensada dentro da mesma lógica. Tapetes são escorregadios e camas altas comprometem o equilíbrio na hora de levantar, já que não permitem encostar os pés no chão – o mesmo vale para cadeiras e vasos sanitários. As pontas dos móveis precisam ser arredondadas e o trajeto entre quarto e banheiro deve estar sinalizado, sobretudo para evitar quedas durante a noite.

Mas não é só. Conselheiro do Fórum Econômico Mundial e presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil, o médico Alexandre Kalache aconselha um olhar atento para o estilo de vida do morador.

Acesso fácil ao transporte público, segurança e atrações culturais nos arredores são essenciais, defende. “Provavelmente esse idoso não quer mais dirigir e pretende fazer quase tudo a pé. Livre das pressões do cotidiano, ele agora tem tempo de ir ao cinema, ao teatro, a bares.”

Um dos maiores estudiosos da longevidade, Kalache tem participado de fóruns sobre o tema mundo afora. Em uma de suas palestras para empresários do setor imobiliário, fez uma provocação após ter sido apresentado às chamadas “retirement villages” – uma espécie de vila dos aposentados. “Pedi para eles fecharem os olhos e imaginarem o aniversário de 85 anos.”

Em seguida, perguntou quantos estariam festejando com família e amigos. “Quase todos levantaram as mãos”, lembra. “Mas quando questionei se alguém estaria numa casa de repousa ou numa vila daquelas a resposta foi zero.”

‘Não é bom formar guetos de idosos’

Para o médico, o experimento mostra que mesmo quem está empreendendo na área ainda não compreendeu as demandas desse público. Levanta também, na avaliação da arquiteta e gerontóloga Adriana de Almeida, outra questão: a segregação que moradias do tipo podem gerar. “Não é bom formar guetos de idosos. Já está provado, por exemplo, que a convivência com atividades infantis ajuda no combate à depressão.”

Membro do Comitê Brasileiro de Acessibilidade da ABNT, Adriana defende que construções acessíveis facilitam a vida de todos. “Corrimão de duas alturas auxilia o anão e a criança, a rampa, na altura certa, ajuda o cadeirante e pais que estão empurrando o carrinho de bebê.”

Gonzales, da Arpa, dá consultoria para condomínios. Ele afirma que as incorporadoras tendem a fazer apenas o que é exigido por lei nas áreas comuns. “Corredores maiores e banheiros acessíveis exigem mais espaço. Isso significa menos unidades. Logo, menos dinheiro.”

A construtora Tecnisa começou a pensar no tema há cerca de 10 anos, diz o diretor técnico da empresa, Fábio Villas Bôas. As primeiras alterações nos projetos foram pensadas por uma equipe de gerontólogos. “Levantamos a altura das tomadas, mudamos o tipo de piso e optamos por cores diferentes entre parede, chão e portas.”

A empresa pretende lançar no primeiro semestre de 2018 um empreendimento pensado para idosos. Segundo Villas Bôas, as áreas comuns serão parecidas com as de um prédio qualquer, mas os quatro primeiros andares terão instalações “quase hospitalares, para aqueles mais frágeis”. Nos demais andares haverá unidades tradicionais, mas acessíveis.

O tema também suscita o debate acerca de financiamento imobiliário para esse público. Os bancos adotam o limite de 80 anos e seis meses para os parcelamentos. Assim, uma pessoa na casa dos 70 terá cerca de 10 anos para quitar sua dívida. E juros e o seguro são bem maiores.

O professor de Finanças da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Joelson Sampaio aconselha planejar-se ao longo do tempo para não precisar de crédito na velhice. “Lá na frente, quando idosos formarem um terço da nossa população, os bancos pensarão em novos produtos. No momento, é totalmente inviável.”

Reforma é opção para adaptar

Quando mudar de imóvel não é uma opção, reformar a casa pode custar caro. A aposentada Dirce Sampaio, de 77 anos, está começando as adaptações no apartamento onde vive há 15 anos. Mora só com o marido, Nelson Corrêa, 81 anos.

As mudanças começaram com uma barra no banheiro, há cinco anos, após Corrêa sofrer um AVC. Nos últimos meses, foi Dirce que passou a demandar cuidados especiais. A filha dela, Tânia, 58 anos, conta que a aposentada caiu oito vezes em um ano. “Colocamos mais barras no banheiro e estamos trocando algumas partes do piso.” Apenas a reforma no chão vai custar R$ 1.600. As barras saíram mais em conta porque foram instaladas pelo porteiro do prédio.

Ainda se recuperando da última queda, Dirce afirma estar mais atenta. Removeu os tapetes, reorganizou armários a fim de deixar os objetos mais acessíveis e se livrou das mesinhas. “Fiquei 45 dias com o pé engessado no sofá, a cadeira de rodas não passava pelas portas, arranhou minhas paredes. Foi difícil.”

Fonte: Estadão